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Citação de Bakhtin::

A VIDA COMEÇA QUANDO UMA FALA ENCONTRA A OUTRA

 

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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

As propostas de Italo Calvino para o Futuro








As "máquinas de voar" de Leonardo da Vinci: helicóptero, asa delta e pára-quedas.

A LEVEZA


Uma das seis propostas de Calvino para o Terceiro Milênio é a qualidade da leveza, opondo-se diretamente ao peso das coisas, sem eliminar contudo a concretude e suas substâncias, mas buscando um mínimo de estrutura para um máximo de expressão. Para conseguir tal resultado, entretanto, Calvino cita Paul Valérie: “é preciso ser leve como um pássaro e não como uma pluma”. Uma pluma vive em suspensão, sem peso algum, mas é levada ao vento, não pode dar direção a sua trajetória e nem pode controlar o seu destino, ao contrário dos pássaros, cuja leveza está associada também à precisão e à visibilidade de seu vôo, sabendo dosar sua leveza com seu peso, alçando vôo ou pousando exatamente no lugar em que deseja, no momento em que julga uma coisa ou outra como sendo necessária.


Tal estado de desenvolvimento da vida só pode ser alcançado através do avanço do conhecimento, pelo aprofundamento no domínio das leis, chegando até os campos infinitesimais. Ser leve como o software gerenciando o hardware, como o chip substituindo os pesados andares dos prédios operacionais e administrativos. O conhecimento dando leveza também ao ser, eliminando os pesos da existência, o ódio, o ressentimento, o medo, a culpa, a cobiça, a inveja, a tristeza, trazendo uma era de maior tranqüilidade e de menor sofrimento. A superação da guerra pelo diálogo e da ignorância pelo saber. O domínio das palavras e das linguagens, da mente sobre o corpo, da imaginação e da poesia sobre a convencionalidade, da grandeza espiritual sobre a mesquinhez da matéria. Mesmo as situações mais trágicas sendo superadas pela “consciência dos ideais” e pelas “sínteses perfeitas”, como em Shakespeare: “ser ou não ser, eis a questão”. Calvino cita também o mito de Perseu vencendo a Medusa, a horrenda górgona que petrificava os adversários que a encarassem diretamente. Perseu a vence em batalha usando o artifício de um espelho, depois usa a cabeça decepada para petrificar adversários em outras lutas, até que o corpo do monstro vencido se transforma em um vale paradisíaco, onde habita Pégaso, o cavalo alado. Tinha sido domada a “a impiedosa energia que move a história do nosso século”. Na verdade, olhar através do espelho significou “olhar a si mesmo”. Perseu está evoluindo, aprendendo, descobrindo os segredos do mundo. Está deixando para trás o arcaico, o brutal e a infantilidade, deixa as sombras e busca sempre as trilhas iluminadas.


O traço mais forte na idéia da leveza seria a superação do universo unitário e monolítico, após a subtração de todo peso desnecessário, de toda inércia e imobilidade, deixando para traz o mundo petrificado pelo olhar implacável da Medusa. O ser passa a ser definido pelo DNA, pelos neurônios, os quarks e os neutrinos; a produção, pela nanotecnologia; a opressão, Milan Kundera é citado, passa a ser superada quando a delicadeza da vida consegue superar a brutalidade do mundo, “a insustentável leveza do ser”, sabendo equilibrar com maestria o mínimo de peso para o máximo de efeito: “Um mínimo de corpo que possa regular a gravitação de todos os símbolos, sem depender tanto da estabilidade corpórea para atingirem o equilíbrio. Aumentando a mobilidade e a flexibilidade do pensamento”.


A construção da leveza vem sendo feita através dos tempos. Calvino cita Isaac Newton, Cyranó de Bergerac, Jonathan Swift, Voltaire, Leopardi e o Barão de Münchausen. No final, chega-se à ruptura da linearidade, e a um universo dialético. Para o intelecto, o universo dialético é o rompimento dos padrões atuais do pensamento. Einstein propôs pela Teoria da Relatividade que duas essências tidas como radicalmente contrárias, o corpo e a luz, eram na verdade manifestações opostas da mesma substância. No Universo dialético, as unidades elementares perdem seu monolitismo, seu isolamento. A própria unidade, a própria exatidão, passam a ser sempre entidades multidimensionais, complexas, sendo a menor unidade realmente existente já uma combinação pelo menos binária. A realidade quântica é conquistada pelo homem. O resultado desse avanço progressivo do conhecimento é o ganho de consciência e de imaginação do ser, dando à razão humana a leveza e a precisão do vôo de um pássaro, transcendendo a maioria dos limites da fase anterior da existência.

A leveza como valor simbólico leva à alegria, à ética, à esperança, à persistência, à habilidade e à atitude construtiva diante dos desafios. Nas coisas do mundo, um cuidado maior com os espaços e com as comunidades, pela organização das várias dimensões do microcosmo. O individuo deixa de submergir no anonimato das massas e passa a ser capaz de integrar sua identidade à vida coletiva. Os sistemas urbanos são radicalmente aperfeiçoados. O Estado passa a ser um organismo atuante e realmente democrático. O mercado adquire maior flexibilidade e capacidade de adaptação às variadas circunstâncias ao longo do tempo. O tempo da arte, da criação, do estudo e da reflexão é valorizado. As trocas sociais intensificam-se, tornam-se mais complexas e o nível geral da civilização “levanta vôo” e alcança as alturas. Os processos de liderança alteram-se drasticamente e a vida humana chega a seus níveis mais elevados. A enorme desigualdade social dá lugar à diversidade social, as polícias deixam de usar armas letais, as ações preventivas da sociedade levam a uma enorme diminuição do crime e das rebeliões, cedendo espaço ao debate, às negociações mais sofisticadas e ao leque mais amplo de possibilidades. O homem reintegra-se à natureza.

Um comentário:

Marcos Vinicius Gomes disse...

Clavino esqueceu-se de livrarmo-nos do peso das ideologias, do peso do estado opressor em regimes de exceção, do peso da ciência como verdade suprema incontestável e burocrática...

 RECADOS     

PARA OS AMIGOS, ANJOS DA GUARDA E LEITORES DO BLOG: 

21/10/08, 18:18 - AINDA PREPARANDO O CAPÍTULO 3 DE HISTÓRIA DA FALA

                        - RELENDO  Bakhtin, e as "NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS", de Sigmund Freud

                        - PRIMEIRO ARTIGO DA SÉRIE SOBRE SEXUALIDADE FOI PUBLICADO !

                        - PREPARANDO 2º ARTIGO SOBRE SEXUALIDADE: 

A ESTÉTICA DA NOVA PORNOGRAFIA (texto não restritivo) - A questão estética da pornografia é uma "não-estética", uma anti-estética, mas há um projeto para isso, e uma função ideológica implícita, quer dizer, romper com a estética faz parte de um conjunto complexo de relações sociais.