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Citação de Bakhtin::

A VIDA COMEÇA QUANDO UMA FALA ENCONTRA A OUTRA

 

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Mensagem de Natal





Contagem regressiva para o Natal, espírito do Natal, oração pelo Natal, até comprar presentes, que bom! Não acho que seja consumismo, é Natal! Compramos os presentes para os outros e não para nós, e para festejar uma data de grande alegria e amor. O consumo está presente, claro, mas faz parte, está tudo bem, o show não é da ostentação ou do desperdício, mas da aproximação entre as pessoas, principalmente das famílias. Me atreveria a dizer, e usando essa próclise brasileira, que essa é a vacina mais efetiva contra o consumismo em qualquer dimensão. De objetos, de drogas, de nossas vidas, etc. Nada como um bom Natal.

Mas como gostaria de viver este Natal de 2009 do nascimento de Jesus Cristo? Bem, com muito otimismo e tendo muito cuidado. Não acho que sejam suficientes as metas traçadas. O enriquecimento material, o desenvolvimento, o progresso, os negócios se expandindo, as diferenças sociais pelo menos neste período – se não estão diminuindo, estão subindo de nível. Que continue assim. Só que não podemos nos apegar demais nessas coisas materiais, e esquecer as coisas que são “invisíveis aos olhos”, e que são essenciais. Faria então um pequeno voto pelo não esquecimento das coisas mais valiosas de nossas vidas, “neste país”.

1 – Não se esqueçam que foram crianças, alegres ou tristes, felizes ou infelizes. Mesmo diante do mundo sombrio, toda criança é feita de pura felicidade, é a vida em seu ponto máximo, a que mais alegra o Criador.

2 – Não se esqueçam de que ainda somos todos crianças. É assim que pensa o Pai do Céu.

3 – Não se esqueçam de seus amigos, de suas famílias, de seus semelhantes, das pessoas que os ajudaram e das pessoas que os prejudicaram. Agradeça a todos, todos eles foram importantes. Essenciais para o nosso aprendizado, para a nossa missão, para o avanço de nossa vida.

4 – Não se esqueçam dos princípios, das leis, dos deveres e das responsabilidades. Sem eles não há direito, não há vitória, não há alegria duradoura e, sem que se conquiste a verdadeira glória, tudo o que vemos torna-se inconsistente e pode desmoronar diante dos fortes abalos da vida, frente às duras provas do dia, ou se desfaz, escapa pelos dedos das mãos, e vai tristemente minguando.

5 – Não se esqueçam da fé, do amor, da esperança, da persistência, da humildade, da compaixão e da justiça de Deus. Este é o verdadeiro pacote de bondade e não há nada que possa substituí-lo. Não se enganem, é nestes momentos de luz que o mundo é construído, qua a vida melhora, que os problemas são resolvidos e que novas coisas boas são criadas. Este é o caminho da realização, onde estão encobertos os maiores tesouros, onde se realizam os sentidos mais profundos, mais amplos e mais numerosos de nossa existência.

6 – E não se esqueçam da mais bela história que a humanidade já contou, a história do Menino Jeus. A mais encantadora de todas as histórias. A Estrela de Belém, os Reis Magos, a Manjedoura, Jesus, Maria e José, e a simplicidade de seu nascimento, o Natal.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Por que caiu o Muro de Berlim?

20 anos!

Recomendo a leitura:

Especial Deutsche Welle
Reunificação Alemã


Wikipedia
Muro de Berlim

Documentário da BBC
Youtube



1. Tanques americanos e soviéticos permanceram
de prontidão o tempo todo, um de frente para o outro,
enquanto o muro era construído; 2. Jovem morto
(Peter Fechter, 18 anos, a primeira vítima, em 17/08/62) a tiros
é carregado pelos guardas; 3. Guardas do Muro fortificado;
4. Pedreiros trabalhando na construção do Muro, cercados
pelos soldados; 5 A fuga do soldado Conrad Schumann,
célebre episódio que marcou as grandes escapadas; 6. O
Portão de Brandemburgo, símbolo da cidade, nesta época
ficou deserto e isolado entre os dois lados; 7. Parentes
e amigos tinham de encontrar pontos onde pudessem
conversar rapidamente; 8, 9 e 10. A festa do reencontro;
11. A dança do dia seguinte, no Portão de Brandemburgo,
com a população já ocupando toda a área do Muro de Berlim.


Abram os Portões Imediatamente, Nós Somos o Povo!


Dia 9 de Novembro de 2009 faz 20 anos da queda do Muro que dividiu Berlim, a Alemanha e o mundo, desde a manhã do dia 13 de agosto de 1961, quando soldados da Alemanha Oriental começaram a abrir rolos de arame farpado no centro da cidade.

Segundo os relatos, em 9/11/89, após as 7h da noite, as pessoas começaram a chegar aos poucos, tímidas, em pequenos grupos, sendo logo interpeladas pelos soldados. Mas o número de populares foi aumentando, aumentando, e logo se tornaram milhares. A multidão rompeu o silêncio
e deu um grito engasgado havia quase 30 anos, depois de viver sob uma ditadura férrea, separados da noite para o dia de seus familiares, amigos e conterrâneos, por uma barreira fortificada e vigiada 24 horas, em guaridas, torres e margens descampadas, por guardas armados, holofotes e cães ferozes.

"Sofort!" - Abram os portões, imediatamente! - E não pararam mais de gritar. Outra das palavras de ordem era "Abram, nós somos o povo!"

Do lado ocidental, outra multidão se formou, e começaram a gritar para os conterrâneos virtualmente aprisionados do outro lado da cidade: "Venham, venham!". Os soldados, desnorteados, não sabiam o que fazer. Pediram orientação pelo rádio, que pareceu confusa e, no fim, veio a ordem para que abrissem as passagens do Muro de Berlim.

Nos 28 anos passados os alemães orientais tinham sido submetidos ao totalitarismo e conheceram a mão de ferro do regime comunista soviético, de orientação ainda stalinista, mesmo após a morte de Stálin. E viveram calados e intimidados o tempo todo, vigiados pelo pavoroso monstro tentacular criado na RDA (República Democrática da Alemanha), a Stasi. Como se poderia conceber uma polícia "secreta" com 90 mil integrantes? Mais uma rede de informantes regulares que chegava a mais de 10% da população total do país. E vigiavam basicamente os "traidores" - aqueles que queriam escapar para Berlim Ocidental, e os que não se entusiasmavam pelas maravilhas do comunismo, ou não morriam de amores por seus grandiosos "líderes".

Quando o regime comunista começou a desmoronar na Alemanha Oriental, a Stasi recebeu ordens para destruir todos seus equipamentos e documentação, mas não deu tempo de sumir com tudo, e ofícios reveladores acabaram sendo encontrados, especialmente sobre o Muro de Berlim. Um desses ofícios dava instruções à guarda: "que não vacilassem em pegar suas armas e atirar em qualquer traidor que tentasse transpor o muro, não importava se fossem mulheres ou crianças".

E eles tentaram, de todas as formas possíveis e imagináveis, furar o bloqueio da "Cortina de Ferro", traçando fugas que variavam desde as mais simples e espontâneas, aproveitando um "descuido" momentâneo, até planos que levaram meses para se realizar. Berlim foi palco de uma das lutas mais angustiantes da humanidade contra a tirania e a opressão dos sistemas, uma genuína luta pelo traço mais básico da liberdade, o direito de ir e vir dentro de sua própria cidade, e esta era a mais importante do país.

Os números atualizados contam mais de 800 mortos diretamente na fuga entre as Alemanhas, a grande maioria na região do muro. Setenta e cinco mil pessoas foram presas tentando fugir, e isto inclui a descoberta dos planos, entretanto, deve-se levar em conta um número incontável de pessoas que não se atreveu a enfrentar o regime, mas desejaria ter emigrado para o Ocidente. Este foi objetivamente o motivo da construção do Muro, embora os dirigentes do Leste tenham dito que era para "proteger" seus cidadãos. Cerca de 5 mil fugas bem sucedidas aconteceram nesse período. Após a reunificação da Alemanha, vários membros do governo, do exército, da Stasi e da Guarda do Muro foram processados e condenados, por causa dos assassinatos cometidos.


E por que caiu o muro, afinal ?


As causas são basicamente as mesmas 3 responsáveis pela queda da União Soviética - URSS e de quase todo o comunismo de modelo stalinista no mundo: a contínua e intensa perseguição política, a matança através de milhões de execuções sumárias e a incompetência da burocracia soviética, que se estendia por toda sua estrutura administrativa, incluindoo Politburo, o Partido Comunista, os Sovietes, as fábricas, as repartições públicas, os estabelecimentos comerciais, etc. Nenhum regime seria viável, sustentável ou teria eficiência produtiva mínima, nessas condições. No final do período soviético, não havia mais disponibilidade de vários produtos básicos para a população, que se atormentava em filas intermináveis, sem nenhuma perspectiva de se conseguir mudar essa situação ou a mentalidade reinante em toda a extensão da Cortina de Ferro.

Foi criado um clima de absoluta paranóia do poder na URSS, de perseguição e eliminação de uns pelos outros, numa "roleta" sem fim, que começou pelo assassinato cruel, bárbaro e sumário da família real russa, depois da abdicação, sem opção de exílio ou qualquer chance de sobrevivência. E também não parou mais. Ninguém matou tantos comunistas quanto os próprios comunistas. Havia momentos em que a instabilidade era tanta que não havia ninguém para punir em uma vila ou cidade. Num dia era um que mandava, no dia seguinte já tinha sido preso ou estava morto. Nomes de camponeses eram passados para a polícia secreta - KGB, que fuzilava sumariamente as famílias em suas casas, cotidianamente. Beria, chefão da KGB e braço direito de Stálin, deu ordem aos seus subordinados de avisá-lo sempre que iam matar famílias inteiras, pois estas eram suas matanças preferidas (fonte: BBC, documentários sobre Stálin). Os funcionários dos vários escalões se perseguiam uns aos outros, e toda a escala de comando superior também, até chegar nos principais colaboradores de Stálin, que já tinha mandado matar Trótsky, e depois Stálin foi morto por Beria e Molotóv, porque senão ele os mataria também (fonte: BBC, op. cit.). O clima de selvageria do regime era tamanha, que Stálin, nas reuniões íntimas que fazia, passava descomposturas, humilhava e ameaçava constantemente seus principais colaboradores e as altas autoridades da URSS. Toda a cúpula das Forças Armadas, os heróis de guerra, os comandos de exércitos amigos, todos eles foram dizimados por Stálin. Não haveria como dar estabilidade a esse regime, nunca, em tempo nenhum, quer dizer, ruiu pelos próprios abusos e absurdos, pela dinâmica interna, e não pelo ataque dos adversários externos.

A cultura produtiva estatal soviética era desastrosa. A não ser pela indústria bélica e pela indústria de propaganda do regime, ambas tendo a finalidade restrita de perpetuação no poder, em um regime ditatorial fechado, nada mais funcionava direito na URSS, e até hoje é assim, na Rússia atual. Têm problemas gravíssimos de falta de cultura produtiva e de empreendimentos, de falta de dinâmicas produtivas e diversificação da economia. Mas isto guarda uma associação forte com o regime soviético. Nos postos de supervisão e comando sempre eram colocados prepostos do regime, favoritos, e não as pessoas tecnicamente mais indicadas. Mesmo quando eram pessoas bem preparadas, não podiam - ou não queriam - aplicar livremente seu conhecimento, se isto parecesse "perigoso" ou "proibido". Os jogos políticos e de poder dominavam tudo, na URSS, ao mesmo tempo que os privilégios dos membros do Partido Comunista aumentavam. Dizer isso parece até a propaganda "capitalista" do Ocidente "burguês" - que de fato havia, mas o que ninguém imaginava é que era verdade mesmo, e que, aliás, era muito pior do que se imaginava, ou do que a propaganda ideológica contrária. Pessoas que não tinham grande compromisso com o conhecimento, com a técnica e com a produção, mas que se esmeravam em agradar os chefes, especialmente os chefes bem acima na escala do poder. O fato, contudo, é que se não fizessem isso alguma coisa aconteceria com eles. Os administradores soviéticos muitas vezes se davam mal e viviam na corda bamba mesmo fazendo tudo certinho, sendo dóceis à paranóia do regime soviético.

Diante desse quadro, o que ocorreu em Berlim? A Alemanha, apesar de ter sido derrotada duas vezes seguidas, de ter sido destruída pelos aliados da 2a. Guerra, e de ter tido um flagelo interno que foi o nazismo, já era um país muito mais desenvolvido que a grande maioria de seus vizinhos, tinha uma tradição artística, filosófica, científica e industrial muito grande, uma educação forte, uma circulação razoável de informações, um nível de vida apreciável, quer dizer, tinha bases confiáveis e elevadas para tecer comparações entre quadros de sistemas diferentes. Os alemães souberam diferenciar muito bem o Ocidente do Oriente, naquele momento, dentro de suas fronteiras, e fizeram sua opção, preferiram sua tradição ocidental, como aliás era de se esperar, era justo e natural, histórico, pode-se dizer. E resolveram emigrar de forma crescente para o Ocidente, a ponto de Moscou e seus fantoches da RDA terem de confinar os alemães orientais atrás do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro (o poderio soviético barrando todo o bloco comunista, defendendo a Rússia do Ocidente "burguês").

Se forem contudo examinados todos os argumentos expostos acima, ver-se-á que não haveria a longo prazo sustentação nenhuma para as políticas do regime comunista soviético, e que a URSS esteve sempre a meio caminho do delírio, ou de enormes tragédias reais, como as invasões e as guerras. Seus dirigentes, contudo, mais atrapalharam que ajudaram. E o muro ruiu, mesmo com todo o concreto e todas as fortificações. Uma coisa porém, ficou intacta, e foi a grande capacidade, a grande força que representou e representa a população da antiga URSS - e também de seus países satélites. Sua resistência e bravura são conhecidas, e há registros suficientes para essa afirmação ser consistente e não laudatória ou compensatória do que foi dito de negativo. Mas eles estão hoje claramente limitados pelos erros gigantescos e pelos crimes monstruosos que foram cometidos no passado (e contra os cidadãos), em seus países.

Isto tudo nos leva a crer que lições muito profundas podem ser tiradas dos acontecimentos que giraram em torno da existência do Muro de Berlim, e que fatos graves graves se sucederam, infelizmente. Que a reflexão de todos leve a não permitir que isso se repita, nem lá nem em qualquer outro lugar, jamais.





Ich bin ein Berliner: A atuação dos protagonistas internacionais


A afirmação "ich bin ein Berliner" (eu sou um berlinense) tornou-se um ícone, por ter sido a declaração de solidariedade do presidente Kennedy a uma multidão de alemães, quando foi à Alemanha em 26 de junho de 1963, em virtude da construção do muro pelo bloco soviético, e foi lembrada por Barack Obama, quando visitou Berlim ano passado, ainda como candidato a presidente. Em 12 de junho de 1987, vinte e quatro anos depois, o presidente Ronald Reagan disse, também em Berlin: "
Senhor Gorbachov, abra estes portões! Senhor Gorbachov, derrube este muro!" Quer gostemos ou não da influência americana, e das posturas de Reagan, o fato é que o apoio internacional foi decisivo, para que Gorbachev pudesse continuar com a Perestroika (a abertura política na URSS).



Contudo, outros personagens também tiveram importância decisiva no processo de enfrentamento da URSS. Outro simples operário, um polonês chamado Lech Walesa - um mecânico de automóveis - assumiu o movimento operário polonês e fundou o sindicato Solidariedade - Solidarnosc - a primeira instituição popular, política e organizada que passou a enfrentar com sucesso, aberta e sistematicamente, o regime de Moscou. Aos operários poloneses um outro ator muito importante se somou, o Papa João Paulo II (o polonês Carol Voitila por nascimento) e sua atuação muito firme como "pastor" internacional.

Todos esses atores, porém, tiveram papel relevante na derrocada da União Soviética não por causa da questão ideológica entre o capitalismo e o socialismo. Esta hoje tem outro equacionamento, e procura pontos comuns e campos comuns de parceria, colaboração e avanços, na direção da diversidade e da complexidade. A questão principal que envolveu a todos eles, de tons e cores ideológicas muito diferentes e até radicalmente opostas, foi a da estrutura de poder totalitário que se tornou uma superpotência mundial, apesar de no cotidiano a população soviética e todo o bloco comunista ter tido condições de vida sempre bastante inferiores às do mundo desenvolvido Ocidental (integrando nesse bloco também o Japão e e os "Tigres Asiáticos"). Mais recentemente, mesmo a China e a Índia passaram a caminhar nesse sentido (não o do capitalismo tradicional, mas o da complexidade dos sistemas). E o Ocidente também, se olharmos para as décadas passadas, já mudou muito em relação aos valores conservadores clássicos do unilateralismo capitalista. O que nasce agora, também com seus desafios próprios, é uma era de civilização avançada, de "riquezas civilizatórias", em que a própria cultura é essencialmente a riqueza (conceito sustentado e difundido no mundo pelo sociólogo britânico Anthony Giddens).




(fontes: Michael Meyer: 1989 - O ano que mudou o mundo,
e as referências dadas no início do "post")

matéria em edição - continua...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

As propostas de Italo Calvino para o Futuro








As "máquinas de voar" de Leonardo da Vinci: helicóptero, asa delta e pára-quedas.

A LEVEZA


Uma das seis propostas de Calvino para o Terceiro Milênio é a qualidade da leveza, opondo-se diretamente ao peso das coisas, sem eliminar contudo a concretude e suas substâncias, mas buscando um mínimo de estrutura para um máximo de expressão. Para conseguir tal resultado, entretanto, Calvino cita Paul Valérie: “é preciso ser leve como um pássaro e não como uma pluma”. Uma pluma vive em suspensão, sem peso algum, mas é levada ao vento, não pode dar direção a sua trajetória e nem pode controlar o seu destino, ao contrário dos pássaros, cuja leveza está associada também à precisão e à visibilidade de seu vôo, sabendo dosar sua leveza com seu peso, alçando vôo ou pousando exatamente no lugar em que deseja, no momento em que julga uma coisa ou outra como sendo necessária.


Tal estado de desenvolvimento da vida só pode ser alcançado através do avanço do conhecimento, pelo aprofundamento no domínio das leis, chegando até os campos infinitesimais. Ser leve como o software gerenciando o hardware, como o chip substituindo os pesados andares dos prédios operacionais e administrativos. O conhecimento dando leveza também ao ser, eliminando os pesos da existência, o ódio, o ressentimento, o medo, a culpa, a cobiça, a inveja, a tristeza, trazendo uma era de maior tranqüilidade e de menor sofrimento. A superação da guerra pelo diálogo e da ignorância pelo saber. O domínio das palavras e das linguagens, da mente sobre o corpo, da imaginação e da poesia sobre a convencionalidade, da grandeza espiritual sobre a mesquinhez da matéria. Mesmo as situações mais trágicas sendo superadas pela “consciência dos ideais” e pelas “sínteses perfeitas”, como em Shakespeare: “ser ou não ser, eis a questão”. Calvino cita também o mito de Perseu vencendo a Medusa, a horrenda górgona que petrificava os adversários que a encarassem diretamente. Perseu a vence em batalha usando o artifício de um espelho, depois usa a cabeça decepada para petrificar adversários em outras lutas, até que o corpo do monstro vencido se transforma em um vale paradisíaco, onde habita Pégaso, o cavalo alado. Tinha sido domada a “a impiedosa energia que move a história do nosso século”. Na verdade, olhar através do espelho significou “olhar a si mesmo”. Perseu está evoluindo, aprendendo, descobrindo os segredos do mundo. Está deixando para trás o arcaico, o brutal e a infantilidade, deixa as sombras e busca sempre as trilhas iluminadas.


O traço mais forte na idéia da leveza seria a superação do universo unitário e monolítico, após a subtração de todo peso desnecessário, de toda inércia e imobilidade, deixando para traz o mundo petrificado pelo olhar implacável da Medusa. O ser passa a ser definido pelo DNA, pelos neurônios, os quarks e os neutrinos; a produção, pela nanotecnologia; a opressão, Milan Kundera é citado, passa a ser superada quando a delicadeza da vida consegue superar a brutalidade do mundo, “a insustentável leveza do ser”, sabendo equilibrar com maestria o mínimo de peso para o máximo de efeito: “Um mínimo de corpo que possa regular a gravitação de todos os símbolos, sem depender tanto da estabilidade corpórea para atingirem o equilíbrio. Aumentando a mobilidade e a flexibilidade do pensamento”.


A construção da leveza vem sendo feita através dos tempos. Calvino cita Isaac Newton, Cyranó de Bergerac, Jonathan Swift, Voltaire, Leopardi e o Barão de Münchausen. No final, chega-se à ruptura da linearidade, e a um universo dialético. Para o intelecto, o universo dialético é o rompimento dos padrões atuais do pensamento. Einstein propôs pela Teoria da Relatividade que duas essências tidas como radicalmente contrárias, o corpo e a luz, eram na verdade manifestações opostas da mesma substância. No Universo dialético, as unidades elementares perdem seu monolitismo, seu isolamento. A própria unidade, a própria exatidão, passam a ser sempre entidades multidimensionais, complexas, sendo a menor unidade realmente existente já uma combinação pelo menos binária. A realidade quântica é conquistada pelo homem. O resultado desse avanço progressivo do conhecimento é o ganho de consciência e de imaginação do ser, dando à razão humana a leveza e a precisão do vôo de um pássaro, transcendendo a maioria dos limites da fase anterior da existência.

A leveza como valor simbólico leva à alegria, à ética, à esperança, à persistência, à habilidade e à atitude construtiva diante dos desafios. Nas coisas do mundo, um cuidado maior com os espaços e com as comunidades, pela organização das várias dimensões do microcosmo. O individuo deixa de submergir no anonimato das massas e passa a ser capaz de integrar sua identidade à vida coletiva. Os sistemas urbanos são radicalmente aperfeiçoados. O Estado passa a ser um organismo atuante e realmente democrático. O mercado adquire maior flexibilidade e capacidade de adaptação às variadas circunstâncias ao longo do tempo. O tempo da arte, da criação, do estudo e da reflexão é valorizado. As trocas sociais intensificam-se, tornam-se mais complexas e o nível geral da civilização “levanta vôo” e alcança as alturas. Os processos de liderança alteram-se drasticamente e a vida humana chega a seus níveis mais elevados. A enorme desigualdade social dá lugar à diversidade social, as polícias deixam de usar armas letais, as ações preventivas da sociedade levam a uma enorme diminuição do crime e das rebeliões, cedendo espaço ao debate, às negociações mais sofisticadas e ao leque mais amplo de possibilidades. O homem reintegra-se à natureza.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

As Crises do Século 21: fim do consumismo e um novo Renascimento









AREAS DE REFERÊNCIA NESTA PÁGINA:

A Teoria Geral das Forças Produtivas

Projeto Cidades do Futuro

Consultar os artigos disponíveis

O futuro do mercado nos moldes atuais já preocupa os estrategistas no mundo todo. A conta mais simples e resumida é a de incluir 2 bilhões de pessoas no consumo, nas próximas décadas. O que ocorre? A conta não fecha. Os cálculos apontam que somente a China, consumindo em níveis dos países ocidentais desenvolvidos, esgotaria imediatamente os recursos naturais da Terra e de sustentação da sociedade humana: água, terra cultivável e alimentos, sem mencionar outros impactos nos recursos minerais, no ar, na produção de rejeitos, etc. Mas o caso é que a população irá aumentar em várias partes do mundo, e a inclusão no mercado se dá de modo disperso e global. Em outras palavras, o barco ficou muito pequeno para o número de pessoas que tentará embarcar nele. Esta é a preocupação primária, mas há também uma secundária. Qual será a reação dos novos excluídos, isto é, das comunidades e grupos que terão sua escalada nas condições de vida frustrada pela falta de recursos vitais? Sem dúvida, o fantasma das rebeliões e do extremismo retorna com força, nesse cenário, e ainda mais complicado, por causa da alta tecnologia e do eventual acesso a armas convencionais, sem desconsiderar as de destruição em massa. Para complicar, o meio ambiente está saturado e uma gigantesca crise econômica abalou os fundamentos de toda a produção global. O que já se percebeu, de maneira ainda preliminar, é que toda busca de alternativas viáveis leva o mundo para cenários que nunca existiram antes na história da civilização, isto é, o mundo como o conhecemos até agora não tem mais a capacidade de enfrentar os desafios que ele mesmo criou. Todas as saídas que se vislumbram apontam para um mundo totalmente novo.

Os modelos, os valores, as linguagens, as atividades, as instituições, enfim, tudo o que habita os nossos modos de vida, está virtualmente com o prazo de validade vencido na História. Quer dizer que se trata de uma mudança tão profunda quanto a das Grandes Navegações, nos séculos 15 e 16? ou ainda maior, tão significativa quanto a Revolução Industrial, nos séculos 19 e 20? Não exatamente. As mudanças agora serão muito maiores do que isso. Estamos às portas de uma revolução na Genética, na Robótica, na Economia e na Cultura, mas, sobretudo, estamos diante de uma gigantesca transformação das formas de vida humana, de sua relação social interna e dos modos de interação com o meio natural. Dentro desse cenário, a cultura consumista da segunda metade do século 20 não consegue mais agregar valor algum, não faz mais qualquer sentido para as organizações humanas, caiu para fora do reino das necessidades da vida. Já tive oportunidade de dizer, nos "comentários" que faço regularmente no Blog de Luís Nassif, debatendo os temas atuais, que essa grave crise global tem várias camadas, depois de começar como crise específica de um setor da economia americana, e essas camadas se multiplicam no processo de desdobramento, até chegar nesse fundo dos acontecimentos, justamente essas bases que discutimos agora. No fundo da crise, o núcleo central de todas as instabilidades é a falência de um sistema de vida, a que passamos a chamar de sistema ou comunidade internacional, é o fim de uma era, de um estágio da existência humana.

Então não haverá água, terra, ar e comida para todos? E essa escassez de recursos básicos em geral irá causar as novas guerras, além das tensões que já existem entre o Ocidente e o Oriente? Estaríamos realmente caminhando para um terrível conflito global, de que poucos sobreviveriam, se não forem todos extintos? Certamente não é isso que se espera de criaturas inteligentes e sensíveis, tampouco é o que preconizam os estrategistas. Estes são na verdade ensaios, simulações, estudos das prováveis conseqüências, se determinados procedimentos de regularização não forem adotados, e se outros procedimentos de agravamento das situações prosseguirem. Contudo, o que é que se desenhou nessas análises? Que a maior causa desse estado de coisas, isto é, dos modos de produção atingindo os seus limites, chegando às fronteiras da desorganização, da dissociação e da desagregação, é a orientação produtiva estruturada a partir do consumo de massas, e todo o seu conjunto de práticas e valores simbólicos, todo o seu instrumental e todo o sistema de visões de mundo que se tinha até aqui. O mundo do consumismo tornou-se impossível, a partir do século 21, e todo o complexo sistema de trocas da economia global terá de ser baseado agora em alternativas para as crises acumuladas que a sociedade industrial criou, especialmente depois do fim da Guerra Fria e da queda do Muro de Berlim.

Seria racional dizer, por exemplo, que a água e os alimentos irão escassear dramaticamente, a ponto de colocar as relações internacionais em grande risco? Note-se que esta é apenas uma ilustração entre outros pontos de conflito possíveis. Como poderia faltar água, se tem tanta água no mundo? E como poderia faltar comida, se há tanta terra na superfície terrestre? Mas aqui se confrontam as definições de água potável e de terras cultiváveis. O que é considerado "fonte possível" de água e de alimentos, segundo a visão industrial e de consumo, ou seja, segundo as planilhas de custo da sociedade industrial, segundo os recursos disponíveis no mundo industrial, nas relações de custo-benefício que vigeram nos últimos 200 anos, nos valores de mercado como eles se sustentaram até poucos meses atrás? Está envolvida aqui toda uma linha de custeio, investimento e insumos, aliados a condições de demandas e financiamentos, e que no final traçam esse resultado calculado racionalmente, da escassez, mas dentro do sistema produtivo que entrou em colapso, isto é essencial lembrar.

Não seria possível produzir mais água potável, criando novos sistemas hídricos? Da mesma forma, não seria possível ampliar a área de terras cultiváveis, mesmo sem avançar a fronteira agrícola sobre coberturas vegetais preservadas? Tecnicamente seria, mas , pelas regras atuais do mercado até agora, não seria, quer dizer, não haveria projeção econômica capaz de mobilizar os recursos necessários para alcançar esses objetivos. E por que não? Porque esse ambiente produtivo rompe com os valores e práticas atuais do mercado, quer dizer, ele precisa não somente de um projeto específico já muito trabalhoso e dispendioso, como precisa também que se concretizem mudanças culturais importantes. E que mudanças seriam essas? Justamente as mudanças dos valores atuais da cultura de consumo. Ou seja, passar a produzir água e alimentos em níveis muito superiores aos atuais rompe com todas as forças de estabilidade dos mercados mundiais. E é isto que ninguém - nenhum ator econômico - estava disposto a fazer, o que seria em tese um absurdo, o de trabalhar para destruir as formas do livre mercado. Mas vejam que toda essa equação se transforma com o passar do tempo, e o que parecia absurdo antes começa a fazer certo sentido, já que o próprio mercado não conseguiu mais se sustentar usando os instrumentos que detinha antes da crise global.

O mesmo raciocínio pode ser seguido para os alimentos. É possível corrigir solos, criar estufas, expandir a produção agropecuária para áreas que hoje seriam proibitivas. Tecnicamente isso é possível mas, politicamente, culturalmente e economicamente isso era impossível, até poucos meses atrás.

Faz cada vez mais sentido o discurso de Domenico De Masi, sobre a sociedade criativa, a sociedade que se forma para compreender a beleza da cultura, e que se dedica ao ócio criativo, basicamente, a formas de produção básica de novos valores, criando um caldo cultural de onde se poderá tirar a matéria-prima para a construção desse novo mundo. Talvez um outro pensador italiano tenha tomado a frente de seu tempo, e esteja inventando o futuro, como fizeram no primeiro Renascimento os também italianos Galileu Galilei, Leonardo Da Vinci e Cristóvão Colombo.

Atualização: O Quinteto de Ouro italiano se completa com Italo Calvino. Ao lado de De Masi ele foi um dos grandes pensadores da sociedade pós-industrial, isto se vê em Seis Propostas para o Próximo Milênio. Curioso que não tenha achado nenhuma foto mais "artística" ou colorida dele. Praticamente todas estão em branco e preto.


 RECADOS     

PARA OS AMIGOS, ANJOS DA GUARDA E LEITORES DO BLOG: 

21/10/08, 18:18 - AINDA PREPARANDO O CAPÍTULO 3 DE HISTÓRIA DA FALA

                        - RELENDO  Bakhtin, e as "NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS", de Sigmund Freud

                        - PRIMEIRO ARTIGO DA SÉRIE SOBRE SEXUALIDADE FOI PUBLICADO !

                        - PREPARANDO 2º ARTIGO SOBRE SEXUALIDADE: 

A ESTÉTICA DA NOVA PORNOGRAFIA (texto não restritivo) - A questão estética da pornografia é uma "não-estética", uma anti-estética, mas há um projeto para isso, e uma função ideológica implícita, quer dizer, romper com a estética faz parte de um conjunto complexo de relações sociais.