BLOG DE CIDADANIA - comentários sobre os principais blogs nacionais, pequenas análises e crônicas: Ciência, Cultura, Sociedade, Política, Economia, Religião e História. Divulgação Científica.


Citação de Bakhtin::

A VIDA COMEÇA QUANDO UMA FALA ENCONTRA A OUTRA

 

BLOG 

O LINK DOS BLOGS E PAGINAS MAIS CITADAS ESTÃO NA COLUNA AO LADO

sábado, 16 de fevereiro de 2008

A Teoria Geral das Forças Produtivas 3 – O mecanismo de operação das palavras na produção das coisas

ARTHUR MOREIRA LIMA AO PIANO

De forma muito resumida, como a palavra “piano” construiria um piano?

(e vice-versa: como a criação do objeto “piano” criou a palavra piano?)


Qual o mecanismo estritamente produtivo da fala? Qual o ponto em comum que ela tem com os objetos do mundo real, e que permitiria dizer que a ela cabe parte dessa objetividade, de materialidade sutil mas de altíssima significância? Se há uma essência intangível, imaterial, algo que não representa, como a linguagem, mas que é também representado, da mesma forma que é o mundo, um nível espiritual, isto jamais poderia ser estudado pela Ciência. É algo que se sabe, em que se acredita ou não, que se reconhece e compreende ou não, porém, essa essência espiritual está simbolizada nos sistemas lingüísticos, e aí sim podem ser estudados, como cultura, como linguagem ou como religião. Mas a Ciência poderá observar apenas os aspectos semiótico-ideológicos, embora o cientista possa reconhecer experiências de vida que a lente científica formalmente não pode, e talvez não deva explicar, além dessas linguagens que compreende e que apresenta os fatos à razão. Se não é essa essência das coisas o que há de material na fala, então o que seria? Qual o cerne produtivo da linguagem? Ilustrando essa questão, poderíamos indagar: como perceber ou provar que a palavra “piano” está junto do piano? Como provar que esse som pi-a-no agregou-se não apenas ao objeto que vemos, mas também ao trabalho de sua produção?


Houve um extenso e longo caminho fonológico, até que a comunidade pudesse reconhecer essa “imagem acústica” com um instrumento musical muito importante. É isto que estudam a Semiótica e a Gramática. Mas houve um momento em que alguém no passado construiu um piano, e o caso é que esta palavra nunca mais saiu de perto desse objeto, o instrumento de cordas, elegante e cheio de teclados, com uns pedaizinhos engraçados embaixo. Que processo cultural aconteceu? Que processo de inteligência aconteceu? Que trajetória produtiva foi seguida? Como trabalharam as palavras em torno da criação do piano? Não me refiro aqui ao aspecto etimológico, a raiz vocabular a que se vinculou o significado, criando a palavra, mas ao vínculo que existe hoje entre a palavra e tal instrumento. Esse vínculo existiu sempre, segundo a idéia do cronotopo einsteiniano-bakhtiniano. Já estava na mente do artista que fez o piano, e esta palavra é a que todos conhecemos, mesmo que tenha chegado depois do objeto, dependendo do processo lingüístico seguido por essa palavra.


Mas vamos lá. Quando o cérebro emite uma imagem do piano, a ele está automaticamente vinculada a imagem acústica “piano”. Não existe o objeto por si só. Ele – o objeto concreto - existe e já está dentro da linguagem, quer dizer, a linguagem também está no mundo e sustenta o objeto, da mesma forma que o piano está “dentro” da palavra que o designa. Se não houvesse essa palavra, não existiria o objeto, nem os procedimentos de sua produção e toda a sua história. Houve então a constituição de um signo lingüístico, para que a inteligência humana pudesse compreender a existência de um piano, e também para fabricá-lo. Esse elo primordial carrega em si, para sempre e desde sempre, um teor material da linguagem, que está “aqui fora”, no mundo concreto. A palavra piano está “grudada” no piano, ela está lá, para sempre! Deu formato à madeira, ao marfim, aos pedais, às cordas, exigiu determinada tensão, afinação, acabamento, e cada um desses objetos-pianos terá uma vida útil. Aquele trabalho semiótico inicial do cérebro é o que Bakhtin chamou de material semiótico-ideológico, e o indicou como sendo a matéria-prima da consciência humana. Ele é ato contínuo, inabado e ininterrupto, renovando-se e reproduzindo-se a cada enunciação (ato social de comunicação verbal). Esses fenômenos ocorrem sempre na interação verbal, no diálogo, mas essa matéria-prima já não é mais espiritual, nem apenas simbólica, ela também é física! Demanda energia e se transforma em operações neurológicas e orgânicas, por exemplo em ondas sonoras, transmitidas com dispêndio de energia até o aparelho auditivo de outra pessoa, que reconhece o som “piano” e dá prosseguimento ao discurso (diálogo), em torno da palavra “piano”, da construção de um “piano”, ou tratando de um tema qualquer sobre esse objeto. Se essa mesma palavra se transformar em movimentos manuais de uma equipe gráfica, esse “piano” poderá ser registrado em um livro, jornal, revista, em um prospecto, etc., mas ainda é a mesma palavra piano, dando origem agora a outro trajeto produtivo, dentre infinitas alternativas.


Nas mãos do fabricante de pianos, essa palavra é elaborada de várias formas, e diversas ações coordenadas e articuladas são tomadas, para que no final se tenha construído o objeto, com dadas características, que nada seria, se a palavra piano e todo seu contexto temático ainda não estivesse ali, junto com o instrumento musical. Houve um caminho produtivo intelectual, de origem lingüística, totalmente materializado, ainda que em espectros de energia muito tênues, cooperando com o trabalho dos fabricantes e das máquinas. Isto não impede que se usem as palavras para a reflexão subjetiva, para a abstração, para a prospecção, para a arte, a digressão ou para o delírio, mas não se pode mais ignorar que há um aspecto material das palavras, e que elas atuam concretamente no sistema produtivo e se fazem presentes no mundo material.


Então, muito difícil? Espero que seja apenas “muito novo”.


Teoria Geral das Forças Produtivas 3 - primeira revisão em 17.02.08

Nenhum comentário:

 RECADOS     

PARA OS AMIGOS, ANJOS DA GUARDA E LEITORES DO BLOG: 

21/10/08, 18:18 - AINDA PREPARANDO O CAPÍTULO 3 DE HISTÓRIA DA FALA

                        - RELENDO  Bakhtin, e as "NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS", de Sigmund Freud

                        - PRIMEIRO ARTIGO DA SÉRIE SOBRE SEXUALIDADE FOI PUBLICADO !

                        - PREPARANDO 2º ARTIGO SOBRE SEXUALIDADE: 

A ESTÉTICA DA NOVA PORNOGRAFIA (texto não restritivo) - A questão estética da pornografia é uma "não-estética", uma anti-estética, mas há um projeto para isso, e uma função ideológica implícita, quer dizer, romper com a estética faz parte de um conjunto complexo de relações sociais.